terça-feira, 6 de abril de 2010

Iceberg I

É digno mesmo falar que nossa cabeça é um Iceberg.
E é genuíno mostrar como somos abaláveis.
Como a parte superficial já nos destrói,
e ao frio a sensibilidade aflora.

domingo, 4 de abril de 2010

O sabor do prazer.

Aquela porcaria da pia do banheiro estava, sabe-se lá, entupida, quebrada.
Velha com certeza. Apartamento velho.
Um inferno! Ir atrás de alguém para arrumar a merda da pia.
Já bastavam os problemas no hospital, os plantões intermináveis, o curso chato de medicina que fazia frustadamente.
Ou não. Porque sabia que gostava do curso e gostava muito. Sentia prazer na coisa toda, sangue, dor e um sofrimentozinho. Achava bacana.
Mas aquele dia em especial estava mal humorado.
E porra! A pia tinha que estar com o encanamento fodido? Não saia água direito, aquilo irritava!
Irritava porque já bastavam os cinzeiros da casa vomitando cinzas por todos os lados, a cozinha com comidas ainda nas panelas, a geladeira só com coisas ruins, louça para lavar, lixo para tirar, roupa para pendurar. CAOS!
Então chega em casa o porteiro fala que tem reunião de condomínio. Claro que ele não pode ir. Mas tem que cumprir funções sociais. E então quando precisar da ajuda de um vizinho para ver a porcaria da pia com defeito no encanamento, não conseguirá, pois claro. Não estava na reunião.
Já bastava ter terminado com a namorada.
Estava muito irritado. Merda e merda e merda! Tinha ainda que resolver a logística do dia seguinte. Teria mais um plantão com várias pessoas agonizando. Como ontem, um homem que prendeu o dedo na alavanca do guincho para carros e estourou tudo. As veias pulsavam para fora. Mas ele gostava disso.
Tinha um ódio tão grande pela humanidade. As vezes era cruel, pensava coisas terríveis. queria ver as pessoas morrerem mesmo. Adorava um sofrimento. Ele sofrera também. Não vinha ao caso de qualquer modo. O ser humano é ruim. que sofra, sinta dor. Sangue. Adorava sangue.
Passadas duas semanas de estresses ridículos - porque
todo estresse é meio ridículo - conseguiu um encanador, que entrou. Olhou. Trocou o cano. Avisou então que era uma sujeira e tal, mas que ia sair. Que provavelmente a agua da pia iria vir com um gosto forte por causa do cano, melhor escovar os dentes com agua mineral por uns dias. Ok nada demais.
Conseguiu arrumar a sala neste dia. Colocou um jaleco para lavar. Tinha também que ver o final de semana, se realmente iria viajar, se iria conseguir. Lembrou-se da pequena menina que atendera. Ela caiu no parquinho e estava com a perna estouradadissima. chorava muito e sentia dor. A mãe era meio psicótica-neurótica e não deixou a menina levar anestesia nenhuma porque dizia que ela iria piorar e que na familia deles isso de anestesia não dava certo. Fazer frio as vezes pesava...
Tomou um banho. Ligou uma musica para desestressar. Sentia falta da tal da namorada afinal. Era louca. Brigaram feio. Mas dava aquele aperto imbessíl no peito. Falta de sexo? Já? Raiva dela na realidade. Loira estúpida. reclamava muito da vida que levava.
Foi escovar os dentes. A agua tinha mesmo um gosto forte. Meio de ferrugem. Mas não estava suja. O sabor do ferro. Do interno. Do profundo.
De qualquer modo aquilo ia sair... Ele nõa beberia aquela agua... Tudo tranquilo.
Acabou não marcando a viagem porque teria plantão mesmo. No sábado pela manha o plantão foi cancelado. Então chamou uns amigos para beberem ali mesmo. Deu uma geral nas coisas. Todos chegaram pelas 21horas. Foi como sempre. os mesmos caras, os mesmos papos.
Mas ainda assim não era a mesma coisa. Eles não tinham mais a graça de antes. Ou antes era ingênuo demais para ver como eram idiotas seus amigos. papos ridículos!
E quando você se senta para beber com um amigo, amigo este que antes você dizia ser grande amigo, e vê que a sintonia não é a mesma... Não há o que fazer. Não há!
Como o café frio... Ninguém vai tentar esquentar isso tudo. Foda-se. Estavam todos ali.
E não era possível a ele tentar agir como antigamente. Era obvio que ele havia mudado. Que pensava diferente. E que os outros notavam isso. Contava do prazer de seu trabalho. Do prazer mórbido das coisas que fazia no hospital. Não era descarado mas era visível. Ele tinha uma coisa meio fria demais. Os amigos até estranharam. Teria sido um fim silencioso de noite se não fosse pela bebida.Todos beberam muito.
Um dos meninos passou horas no banheiro gorfando a vida. Um desgaste só. Ainda reclamou do gosto da agua na pia. A merda daquela pia velha. Merda do gosto. O sabor do ferro. Do interno. Do profundo. Mas não incomodava a ele. Não a ele...
No dia seguinte acordou com o celular vibrando forte na mesinha ao lado do sofá. Dormira ali mesmo. Que dor de cabeça! Pegou o celular mas no delírio ainda de sono e álcool errou a tecla para atender. O aparelinho infernal tocou novamente. Era a ex. Ela estava vindo ai. Merda.
Claro que ele caiu. Dizia caiu porque agora já estava se sentindo mal. E culpado. Queria dar um fim nela. Chata irritante. Mas linda. Boa. Lhe dava prazer. E era só. Ela também reclamou do gosto da pia. Dizia que tinha um gosto forte de ferro. Foda-se a opinião dela também. Não importava. Ela estava ali, lhe fazia bem fisicamente. Espiritualmente podia ver-lhe morta. Mesmo.
Na faculdade estava indo bem. Isso ao menos era positivo, não preocupava a familia. Então ele não teria mais um problema no seu pé. Mas se sentia vazio com isso tudo. Gostava. Mas era um gostar muito leve. Queria mais emoção. Emoção não era a palavra. Queria algo mais vibrante, mais prazeroso. E nisso, no plantão, só vinham pessoas com cortes na testa e na mão. Até um dia em que veio um casal. Ele carregando ela. Toda ensagüentada. Uma sopa humana semi viva de tripas. Aquilo ia direto para a parte interna do hospital. O culpado era obviamente ele. Foi um problemão. Policiais lá dentro de um lado ao outro. Mais pessoas vindo machucadas com outros problemas e as coisas numa correria ainda maior.
Ele pediu para um colega o cobrir no plantão e foi ver o caso deste casal. Havia lhe chamado a atenção. A menina com mais do que certeza já havia embarcado para uma melhor. Mas o sujeito estava lá sentado, levando uns pontos também... não sabia bem porque. Os policiais interrogaram alguns médicos e esperavam para prender o tal assassino.
Com cara assustada o culpado olhou para o estudante. Este lhe perguntou se havia sido bom.
Que dia. Que dia!
Chegou em casa mais atordoado que o normal. Sentou-se no sofá. Fumou por muito tempo olhando para a parede vazia. Levantou-se e abriu a torneira. A merda da torneira do banheiro velho. Do apartamento velho.
Pensou enquanto muita agua escorria. Cheirou a água. Bebeu.
Não era gosto de ferro. Não era ferrugem. Não. Não era ruim.
O sabor do ferro. Do interno. Do profundo. Era um gosto... Um gosto forte. Sangue tinha um gosto assim. Exatamente assim. Não era ruim nem forte nem...
Era bom. Era prazeroso. Prazeirosíssimo.
Voltou-se ao sofá. Pegou o celular. Hesitou meio segundo. Ligou.
Não demorou nada a atender. Era ela.
Enjoada, chata. Fresca. Mas doce. Muito doce. Uma doçura sensual. Era claro que ela iria.
Era bonita a desgraçada. Não lhe largava o pé. Mas não faria mal. Esta noite tudo se acalmaria.
Ela chegou rápido. Seus olhos intensos com seu último brilho para ser dado à alguém.
Ele perguntou a ela se ele lhe dava prazer. E queria saber se ela queria dar-lhe ainda mais prazer do que já lhe dava. E ele gostava de como isso soava inocente. Era ótimo. Era genial.
Uma luxúria incrível...
Um prazer absoluto e intenso. O gozo em meio ao sangue.
O sabor do ferro. Do interno. Do profundo.
A doçura dela em seus berros incríveis. Incríveis!
Como era doce! Como era doce!
O limiar entre a vida e a morte. Um êxtase maravilhoso de se sentir.
O sabor do ferro. Do interno. Do profundo.
O sabor prazer... O sabor do prazer...

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Fronhas Sufocantes
























Fronhas sufocantes. Cheiro humano.
Humano demais.
Algodão.
Canto das colheitas.
dança da chuva.
Canto da parede.
fios, fiação, tecelões, algodão.
Lenço, Saudades, Lágrima, Suor.
lençol, fronha, eu e você.
Fronhas sufocantes, Cheiro humano.
Humano demais para mim.