quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Jardim de Inverno




Então, mais uma vez estava eu naquele jardim, deitada ao sol ofuscante do inverno, sem nuvens no céu. De barriga para baixo, olhando para a grama, seria possível reparar nos mais incríveis detalhes do solo, onde todos pisavam. As pequeninas formigas caminhavam entre a terra, entre folhas verdes e levemente translúcidas de grama, e entre folhas secas em tons marrons e pardos. Pela grama, pequenos feixes de capim, ou ervas-daninhas, cresciam cada vez mais, querendo dominar o jardim.
Olhando novamente para o céu, com minha franja cobrindo um pouco meus olhos, eu via as árvores, grandes e majestosas sobre mim, em contraste com o céu com contornos castanho-dourados de fios de cabelo.
Estava tão quente, tão bom, tão aconchegante como se eu tivesse voltado à minha natureza de ser humano livre como realmente deveria ser! O vento passava por tudo, bem devagar, dançando com os galhos das plantas que se acariciavam produzindo rangidos e estalidos tão suaves e agradáveis...
Se eu ficasse ali, deitada, por muito tempo, acabaria virando grama ou capim, verde sempre a crescer; formiga entre as folhas secas, andando pela terra; folha das grandes árvores. Viraria parte do jardim quase para sempre, até que o vento me carregasse para algum outro
lugar...
Camilla Di Lucca
Obrigada à Vicent Van Gogh, por ter pinturas tão lindas, que se encaixam ao meu conto!
(Cima: Jardim de Inverno, rascunho de lápis sob papel)
(Baixo: ?)

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Trechos de Alice no Pais das Maravilhas...





- Quando eu uso uma palavra - disse Humpty Dumpty num tom escarninho - ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique ... nem mais nem menos.
- A questão - ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes.
- A questão - replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso
***

- Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
- Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato.
- Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
- Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato.
***
Alice: Aqui parecem todos malucos.
Gato: É verdade, eu também sou maluco…Completamente maluco.
Alice: Eu não.
Gato: Claro que és. Se não fosses maluca não estavas aqui.
***
..




quinta-feira, 12 de julho de 2007

Mendigos


Ninguém sabe quem são, o que fazem por aí, da onde vem ou para onde vão. Quase todos têm medo deles, nojo. Alguns têm pena e outros ódio deles. Mas no fundo, todos os que no seu dia-a-dia passam por vários deles, não dão a mínima. Um tanto desumano não pensar neles... Não imaginar que um dia talvez eles já foram como nós: Voltavam do trabalho tarde, chegando á sua casa alugada, sua mulher já deitada e cansada sem querer saber de você, que trabalhou muito por pouco. Com o tempo a família vai se afastando, cada qual no seu canto a pensar por si só. O grande marido já não agrada mais a mulher. O grande pai já não é mais o idolatrado. Sem ninguém, inevitável que o bar se torne freqüente ao pobre homem. Dívidas, se entristece por estar perdendo tudo de uma vez. Bebe. Chega tarde em casa, perde o emprego no dia seguinte, fica triste. Bebe...
Alguns viram mendigos porque querem. Simplesmente não agüentam mais o mundo do jeito que está, mas não tem poder o suficiente para mudar. Tiveram algum fracasso e desistiram de tudo. Entregaram-se livre e corajosamente ao mundo como ele é.
Porque também não pensar naqueles que vieram de longe para cá, procurando alguma luz na sua vida e perderam mais do que tudo, sem poder nem ao menos voltar? São como os índios que um dia foram donos de seu próprio lugar. Donos de tudo. Também tinham família. Hoje tem que muito procurar sementes, devido ao pouco numero de árvores, para fazer alguns colares, vendendo o que der para que seus pequenos possam comer. De noite ao dormir ainda podem acabar sendo queimados vivos por algum idiota preconceituoso, algum riquinho que o pai tanto deu de tudo na vida. O que estava errado com o perfeito menino então? Simples: Assim como aqueles que viraram ou são mendigos, este filhinho de papai não tem afeto. Não tem ninguém. Fazem de tudo para chamar atenção. Para ter seus pais á abraça-lo dizendo “Nós te amamos filhão!”. Mas este menino tem tudo ao seu alcance. È só pedir.
Pobres mendigos, querendo ou não ser um: á noite, ao deitarem-se ao luar, pedem ás estrelas um carinho, alguém. Pedem para voltar a ter algo, pedem para serem felizes, pedem para ter alguém para amar. Pedem para ter novamente aquela amada mãe que o levaria para a cama dando um “boa noite”, pedem para ter um abraço. Simples abraço de forte efeito. Simples ato que nenhum deles recebe á anos. Simples ato humano que poderia mudar um dia e fazer toda a diferença.
Mas no fundo, talvez, quem é desumano não são as pessoas. São os próprios mendigos, que de tanto sofrer e ficarem entregues á mais pura realidade, se esqueceram de como serem humanos. Simplesmente vivem em um outro mundo, em meio a bebidas, becos e cantalorías, como se neste mundo tudo fosse perfeito como eles sempre sonharam. Para eles não seria ruim ser mendigo. Seria talvez o seu próprio Nirvana de um espírito completamente, livre pelas selvas de pedra do mundo. Sem ligar para nada, nada é material em suas mãos, pois nada podem ter, mas tudo é mais do que real, pois suas mentes vão mais além do que o esperado por alguém de simples imaginação.

Camilla Di Lucca

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Melancolia

Como me sinto?
Sosinha!
Fim de dia,
Inútil!
Cansativo!
Vazio!
Aquele disco ansioso a tocar...
Lá longe, sem atingir os ouvidos de ninguém,
Melancolia!
E eu apenas a esperar algo novo,
Me sentindo como um cálice largado após o vinho acabar:
Totalmente sem atrativos, sem efeito sobre alguém...
Me sentindo inútil,
Cansativa,
Vazia!
Camilla Di Lucca

Perto

Já era noite. Meia-noite, como o combinado. Não sei se era impressão, talvez fosse parte do meu nervosismo, mas estava muito silencioso naquela esquina...
Era verão e ainda de tarde havia chovido, criando um ar úmido e nublado que se misturava com a noite escura e sombria. Não havia postes de luz em parte alguma. A única luz era a da Lua, que projetava sombras estranhas nas casas, já sem vida em uma rua morta.
O vento trouxe um leve cheiro de fumaça e de repente surgiu um pequeno ponto vermelho-alaranjado, ao longe, de brasa incandescente de um cigarro. O silêncio foi quebrado por passos que vinham devagar pelo asfalto, esmagando pequenas pedras.
Os passos cessaram, uma pequena pausa para levar o cigarro pela ultima vez à boca, tragando levemente a fumaça, queimando, criando ainda mais brasa, num leve estalido tão suave... Único som da rua.
Ele foi vindo cada vez mais perto, senti meu coração acelerar. Parou de frente para mim, tirou a mão do bolso da calça e encostou de leve sob minha face, do meu lado esquerdo. Era uma mão tão quente e aconchegante, carinhosa. E ficou a me olhar, começando pelos pés. Com a outra mão pegou com cuidado em meu braço direito, olhando para a manga, ombro, pescoço. Fitou-me no rosto por um tempo. Fiquei a olhar seu cabelo bagunçado e desfiado, castanho claro, seu Blazer bem alinhado, levemente justo, com mangas de uma camisa saindo por baixo. Nada de gravata. Aquele cheiro dele, só dele, já tão familiar, aquela sensação tão incontrolável de tê-lo mais perto... Mais perto...
Tirou a mão do meu rosto para me abraçar. Veio devagar, me envolvendo completamente. Mais alto que eu, olhou para baixo, para meus olhos, eu para os dele. Lá havia um brilho incomum, projeção da luz da lua, prateado.
Sua beleza incomparável, incomum na triste escuridão da rua, com seu jeito tão bondoso. Veio vindo aos poucos mais perto, já podia sentir sua respiração quente, e ele finalmente me beijou. E eu mais uma vez me perdi dentro dele, ele dentro de mim.