Entrei no apartamento, coloquei a chave na fechadura e dei apenas uma volta. Acendi a luz da entrada, a correspondência na mesinha alta. ainda sendo tarde o vizinho de alguns apartamentos acima tocava repetidamente seu saxofone. Na realidade não era identificável, devido a distancia, se um saxofone ou um oboé. Sei a diferença absurda de tais instrumentos, mas imagino que pelo cansaço eu não conseguia pensar. Me joguei no sofá, entregue, afundando lentamente na espuma. Aos poucos eu ia sentindo a temperatura amenizar. Falo de quando sento, em qualquer coisa que seja, e sinto aquele gelado desagradável - bom no verão - mas aos poucos a temperatura do corpo faz com que fique bom de novo. Nossa, me lembro de invernos em que a cama parece um mármore nos primeiros minutos. Mas não importando, lá estava eu sentado. Olhar fixo no nada, achando até melhor assim do que dormir. A luz amarela e o horário de verão, calor insuportável e mosquitinhos irritantes a entrar pela janela que estava aberta, perdendo suas asas por tudo. Dormi. E em sonho vi coisas tão distantes. Servia o chá cor de âmbar em uma xícara de porcelana bem fina-translúcida branca. Era uma tarde de temperatura agradável e o jardim estáva lindo. Outono. As meninas brincavam lá fora pela extensão dos campos, os lençóis balançavam forte e determinados, cegando com o sol. Era bom caminhar no jardim próximo e ouvir o estalido das folhas secas e vermelhas do outono sendo esmagadas. Era bom respirar. Era bom o som do vento! Quando eu ouvia o som do vento?
Forte "fffffffvuuuuuuuuuuuuuuuuuuuummm". As folhas das árvores se agitando "ssssssshhhhhhhhhhhh". Todos sentados a conversar juntos, olhando uns para os outros, cara a cara! Tão real! Aquela varanda com cadeiras de palha trançada, em uma noite de grilos agitados. Lá longe algum barulho agradável da noite. A temperatura a cair no outono quase frio, que nunca será. Insetos entravam pela janela, seguindo a luz.
Acordei e tudo que ouvia era o tráfego das ruas lá em baixo, a geladeira na cozinha a zumbir, a televisão do vizinho ao lado a murmurar. E ainda senti meu rosto amassado da almofada bordada de minha avó. Que sonho estranho. E pensei na minha vida monótona. Cidade, empresa, indústria, carro, regras. Pequenas coisas que eu gosto. É bom viver em sociedade. Mas acho que deixei muito para trás e agora devo voltar.
Mas o que fazer quando vi que minha vida nada mais se tornou alem de uma folha seca? triste e quebradiça, sem vida! Não posso voltar no tempo e arrumar minha vida. Me encontro na solidão de uma vida abandonada, como em um filme, e a trilha será um jazz ao meio dos prédios de luzes isoladas em pura tristeza.
E para sempre esse será o meu mundo, de milhões de pessoas que nunca se conheceram.
Pessoas que nunca viram meu filme.
Pessoas como folhas secas, talvez.
Um comentário:
Estou me sentindo ressecado depois de ler - acho que me identifiquei com o narrador. Muito bom - pode ser até retórico, mas sempre vale a pena esperar. E creio que essa foi a sua melhor finalização:
"Pessoas como folhas secas, talvez."
Abraços, e muito chá cor de âmbar.
Postar um comentário