Passara horas sentado naquela janela. Com suas mãos frias podia sentir o contraste com o quente do rosto de choro. “Porque ela tinha que ir?”, e simplesmente ficou a pensar sobre tudo. Sentia-se protegido pelos objetos do quarto mais alto. “O quarto secreto”, como gostavam de chamar, em uma fantasia que com o tempo se tornou real, assim como a infância virara puberdade; amizade, paixão.
O mar lá fora estava manso e quente. O pôr-do-sol dourado intenso pintava sua retina profundamente, tocando sua alma completamente. Em meio ao vazio e ao calor ele se entregava aos pensamentos mais confusos e perturbadores, esclarecedores e nervosos. O cada vez mais o impulsionavam a pular no grande abismo em que se encontrava.
Sua mente estava trabalhando para se lembrar dela perfeitamente. Do rosto, dos olhos claros, do cabelo, da boca, das mãos, do cheiro, do abraço, do sorriso, da risada, do jeito de falar e de ser... Queria também se lembrar da cidade como é e como foi com ela em cada lugar. A praia de areia branca, com ondas suaves. O píer e as gaivotas. Os pescadores e o eco da voz deles que vinha com o ar de longe. Lembrar como era a grande casa, fintada de cal com as janelas azuis, feita de madeira e enorme. Com pequenos esconderijos e espaços, quartos e varandas, escadas e janelas enormes pelos corredores. Estava sempre cheia de gente: a família, os amigos.
Seus pais eram amigos! Gostava de lembrar como brincaram quando crianças, na praia e na piscina, na casa da árvore. Andavam de bicicleta nas férias. Lembrou-se também como foi o inicio da adolescência, confusa e estranha. Muitas informações de uma só vez, o mundo se abrindo de maneira curiosa e assustadora. Com o tempo apenas se acostumariam com a vida como ela é. Lembrou-se da vez em que estavam no jardim e ele descobriu que gostava dela...
Sentia raiva e calor, ódio intenso. E chorava fortemente até sentir a presença dela, que vinha como calmaria em alto mar. Parava então de súbito, se esforçando para vê-la em meio ao que restava do sol, sorrindo. Como ela gostava de andar descalça e passar horas a observar as pessoas! Sempre alegre, menina iluminada! Foi ela quem o ajudou a decorar cuidadosamente o teto abobadado e baixo da torre do quarto secreto. Coberto com recortes de jornal, fotos de revistas, noticias incríveis. Cartões postais – “as pequenas janelas para nosso mundo” – placas antigas, conchas, botões coloridos. Cartas, bilhetes, dobraduras, declarações de amor, pedidos de paz, poemas sem fim...
Ele tinha a vida dela ali com ele. Tudo que fizeram estava na mente dele. Ele a amou. E mesmo sabendo que naquele exato momento todos estavam lá em baixo, em profundo luto, dividindo a mesma saudade e mesma dor, se recusava a comparecer. Ele se recusava a dividir o que havia vivido com ela! Era egoísta sim e não dividiria a intimidade deles com os outros, estava decidido. Aquelas lembranças todas, portanto, se tornariam um segredo, parte da vida dela que jamais os outros teriam. Jamais os outros iriam poder ressuscitá-la
Queria ter ela cada vez mais perto e mais intensamente. Senti-la viva mais uma vez. O calor não o afetava mais... Entardecera e o vento começou a uivar angustiante. Ele caiu em sono enquanto as estrelas brilhavam. Continuou lá quando fez sol e calor, choveu e esfriou. O mar se enfureceu e se acalmou. O vento trouxe e levou sons, visitantes, familiares, lembranças. Mas ele não podia ouvir os chamados, nem ao menos perceber o que acontecia...
A grande casa já não importava mais. O quarto secreto já não tinha mais cor. O mar silenciara e o sol não mais reluzia. Tão pouco havia noite ou estrelas. O vento morrera. O que era vida já não lhe trazia prazer. O que era morte já não lhe preocupava.
Sua alma se entrelaçara à dela, completamente. Não sabia se representava o próprio vivo ou se jazia morto sendo ela. Não conseguia mais se soltar. Não queria mais. Não queria acordar. Afinal, tudo se manteria lacrado no segredo daquele quarto, daquela torre, daquele amor, daquelas vidas.
Então, para quê acordar? Tudo permaneceria no quarto secreto como começou...
3 comentários:
O que há para dizer que eu já não tenha dito? (muitas coisas, oras - elogios nunca se tornam excessos, se dados verdadeiramente) Bem, a verdade é que, com cada palavra, vem algo diferente; inicialmente, quando se lê com descuido, talvez não se perceba isso; mas ao ler com cuidado, reconhecendo o esforço que o texto é e imaginando que aquilo fora concebido por outra pessoa, sabemos o quão zeloso foi o trabalho. Mais uma vez, não tenho nada a criticar, apenas a elogiar. Sempre esperando por mais.
ai, não tenho nada pra falar alem de que gosto do jeito que você escreve.
Adorei o conto, nossa Cami, você escreve pra porra. Isso é bom demais.
Sou tipo fã já, vou estar na noite de autógrafos do seus livros. damlçdamdaça
mas, eim, conto lindo. Triste, mas lindo. Deu vontade de...sair.
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